15 de novembro, de 2025 | 05:00
Opinião - A República nasceu distante do povo e, de certa forma, continua distante
Carlos Alberto Costa *
O Brasil completa hoje 136 anos desde que, em 15 de novembro de 1889, mudou oficialmente seu sistema político, substituindo a Monarquia pela República. A data, embora simbólica, cai neste ano em um sábado e tende a passar despercebida pela maioria. Muitos sequer se lembrarão do feriado; outros, talvez em número ainda maior, não sabem ao certo o que é uma República. A ignorância não é casual: é histórica. A Proclamação, embora significativa, não envolveu os brasileiros à época, o que acabou alimentando um longo e ainda inacabado processo de construção de uma identidade nacional e de símbolos capazes de sustentar um verdadeiro sentimento de nacionalismo.
É curioso - e também revelador - que a transformação do sistema político brasileiro não tenha sido acompanhada por uma transformação equivalente do cidadão. Àquela altura, o país já estava formalmente livre da escravidão, mas, como apontam os historiadores, as mudanças sociais imediatas foram mínimas. Avançando para os tempos atuais, a situação não parece muito diferente em essência. Quando observamos algumas figuras que se dizem representantes da República brasileira - abrigadas nas chamadas bancadas temáticas ou empenhadas em produzir cortes lacradores” para as redes sociais -, percebemos o quanto isso degrada o verdadeiro significado do regime republicano. E aqui cabe lembrar que tais personagens não surgiram espontaneamente no Congresso ou nos demais poderes da República. Não foram impostas por forças externas. Estão ali porque nós as elegemos. Foram escolhidas pelo voto popular, o que evidencia um distanciamento crescente entre a ideia de República e a prática cidadã.
Retomar a história é fundamental para compreender o presente”
Retomar a história é fundamental para compreender o presente. Afinal, a República nasce no Brasil por meio de um golpe de Estado que deu origem a uma nova e gigantesca nação. No dia 15 de novembro de 1889, sob a liderança militar do Marechal Deodoro da Fonseca, o regime monárquico - que durara quase 70 anos, um período curto em comparação às monarquias tradicionais ao redor do mundo - chegou ao fim. No dia seguinte à deposição, foi Rui Barbosa quem assinou o primeiro decreto do novo regime, inaugurando o chamado Governo Provisório.
Antes disso, o então ministro Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto, ainda tentara salvar a Monarquia com um programa de reformas destinado a conter os ânimos dos opositores. Entre suas propostas estavam a liberdade de culto, a autonomia das províncias, mandatos limitados no Senado, liberdade de ensino e a redução das prerrogativas do Estado. Nada disso prosperou: a maioria conservadora da Câmara vetou cada uma das sugestões.
Enquanto o Império se esfarelava em suas bases econômicas, sociais e militares, o povo já não confiava na Monarquia - mas também não abraçava o ideário republicano. O resultado é que o movimento de 15 de novembro não teve qualquer participação popular. Há historiadores que afirmam inclusive que o próprio Deodoro precisou ser persuadido pelos republicanos a assumir o comando do golpe. D. Pedro II, ao ser informado da movimentação, deixou Petrópolis e retornou ao Rio de Janeiro acreditando que se tratava apenas de uma troca de ministério. Chegou a tentar organizar outro gabinete, liderado por José Antônio Saraiva. Mas, no dia seguinte, recebeu das mãos do major Frederico Sólon Sampaio Ribeiro o comunicado da proclamação e o pedido para que deixasse o país, sob o argumento de proteger a família imperial.
Bancadas temáticas e esforço por cortes lacradores para as redes sociais degradam o significado do regime republicano”
A crise que viria a seguir consolidaria a instabilidade do novo regime. A renúncia de Deodoro da Fonseca, fruto da primeira grande crise republicana, escancarou os conflitos internos. Herói da Guerra do Paraguai e figura central nas questões militares que alimentaram o movimento republicano, Deodoro assumira provisoriamente a chefia do governo e encarregara uma comissão de elaborar o projeto de Constituição que seria apresentado ao futuro Congresso Constituinte. Mesmo eleito presidente pelo Congresso - composto pelo Senado e pela Câmara -, enfrentou forte oposição. Irritado, dissolveu o Congresso sem qualquer base constitucional, o que precipitou a Revolta da Esquadra. Para evitar uma guerra civil, renunciou em 23 de novembro de 1891, passando o comando ao vice, Marechal Floriano Peixoto.
Diante de tudo isso, o que realmente celebramos no 15 de Novembro? Talvez a pergunta correta seja: o que deixamos de celebrar? A República nasceu distante do povo e, de certa forma, continua distante. Não por falta de oportunidade, mas por falta de compreensão coletiva sobre seu significado. Quando nossos representantes parecem ignorar a essência republicana - e quando nós mesmos esquecemos de cobrá-la -, perpetuamos um vazio iniciado há mais de um século. E a cada 15 de novembro que passa sem reflexão, esse vazio apenas se aprofunda.
* Professor aposentado.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Bonifácio
16 de novembro, 2025 | 11:33Sr.Gildazio, muito obrigado, pela sua sapiência, infelizmente neste país, a leitura, é pra poucos, obrigado, pelo privilégio de falar destes livros perturbadores, assim como Faoro, Carazza, também é advogado de formação, isto me chamou a atenção.
Parabéns.
O País dos Privilégios ? Volume 1: Os Novos e Velhos Donos do Poder, de Bruno Carazza, é a análise contundente nas regalias do alto escalão do serviço público.
A força do livro está em sua capacidade de desnudar de forma técnica e detalhada como um pequeno grupo se beneficia do Estado brasileiro, evidenciando as raízes da desigualdade e as dificuldades políticas para enfrentar essa realidade.”
Gildázio Garcia Vitor
15 de novembro, 2025 | 23:16Sr. Bonifácio, obrigado pela carinhosa referência!
Sou apenas um leitor apaixonado pelas Histórias do Brasil e do mundo. Queria ter sido mais, mas os vícios, especialmente o do álcool, levaram boa parte da minha juventude.
Tem um outro livro, "O País dos Privilégios", de Bruno Carazza, muito bom também. O volume 1 trata desses "Donos do Poder"”
Tião Aranha
15 de novembro, 2025 | 21:34Pelo menos Dom Pedro primeiro uniu um continente chamado Brasil, o que Simon Bolívar não conseguiu na America Latina. Essa ideia de levar a capital pro centro já era da autoria de José Bonifácio. Daí quem segurar nosso progresso é o agronegócio. Monarquia ou República tanto faz. Prova disso é o fracasso político da COP 30. A luta com palavras é a luta mais desnecessária. Hoje em dia só se trabalha em equipe. Rs.”
Bonifácio
15 de novembro, 2025 | 20:25RESPOSTA SR.Gildazio, e uma honra receber elogio de V.sa, como estudioso como o Senhor deve saber de onde tirei esta importante reflexão:
?"O governo tudo sabe, administra e provê. Ele faz a opinião, distribui a riqueza e qualifica os opulentos. O súdito, turvado com a rocha que lhe rouba o sol e as iniciativas, tudo espera da administração pública, nas suas dificuldades grandes e pequenas, confiando, nas horas de agonia, no milagre saído das câmaras do paço ou dos ministérios. Esse perigoso complexo psicológico inibe, há séculos, o povo, certo de que a iniciativa não compensa."
"Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro", de Raymundo Faoro.
resume o efeito paralisante do patrimonialismo no desenvolvimento da sociedade civil e da economia, indicando que o esforço individual e o capitalismo autônomo são sufocados por um sistema que privilegia a conexão e a cooptação em detrimento do mérito e da livre iniciativa.
A Visão de Faoro sobre como a herança portuguesa de um Estado centralizado e apropriado por uma elite impede, estruturalmente, o pleno avanço do Brasil como uma nação democrática e moderna.
Obrigado professor, pela oportunidade de falar deste livro perturbador.”
Edgar
15 de novembro, 2025 | 19:35Lendo "nossa" história a partir de vários pontos de vista, concluo que o Brasil começou errado. Não resta dúvidas que o 15 de novembro foi mais uma tentativa que não deu certo. Quem sabe, um dia, os brasileiros conheçam sua verdadeira história, e concertem as coisas. Muitas nações ao redor do mundo fizeram esse caminho. Penso que nós também podemos fazer.”
Gildázio Garcia Vitor
15 de novembro, 2025 | 19:32Lendo o excelente comentário-respsta do Sr. Bonifácio lembrei-me de um clássico da Ciência Política brasileira: "Os Donos do Poder", de Raimundo Faoro, publicado no final da década de 1950. Um dos meu, foi herdado do meu Pai.”
Bonifácio
15 de novembro, 2025 | 16:37Resposta Anphilophilo
a arte imortal da hipocrisia na política brasileira
?O Brasil, meu caro, é um laboratório inesgotável para o estudo da ambiguidade moral e da esquizofrenia histórica. O paradoxo que você aponta não é uma falha no sistema, é a engrenagem mestra que o mantém funcionando.
?No fundo, não se trata de Monarquia vs. República, nem de Democracia vs. Ditadura. Trata-se de Quem Manda. Tanto em 1889 quanto hoje, uma elite se move por interesses próprios, vestindo a camiseta da causa mais popular ou moralmente superior do momento. A "democracia" vira um chavão útil, uma bandeira de papelão sob a qual se praticam ações que o cidadão comum chamaria de tirania.
?Nada mudou, de fato. O poder no Brasil adora trocar de roupa, mas o corpo que veste continua sendo o mesmo: o do interessado pragmático que, ao gritar mais alto sobre sua causa nobre, esconde as correntes que está forjando para os outros. O sarcasmo é inevitável.”
Amendoim
15 de novembro, 2025 | 15:32Na verdade a política do brasil sempre foi um buraco obscuro de engravatados ganhando seus salários e viajando em aviões morando em suas mansões com suas famílias e andando de carros blindados praia avenidas e ruas do país como se nada estivesse acontecendo sendo que o que importa é só sua vida e de suas famílias o resto sempre foi resto para a política do Brasil quem paga o luxo dos políticos são o povo escravizados por um modelo de governo frio e desonesto.”
Anphilofhio
15 de novembro, 2025 | 13:07NADA MUDOU.....
Tinha Soldado extremamente MONARQUISTA, participando da criação da República, não sabendo que estava derrubando monarquia, isto é fato e está na história.
HOJE TEM DEFENSORES DA DEMOCRACIA, CRIANDO A DITADURA.
NADA MUDOU.....Coitado do Brasil.”
Nelore
15 de novembro, 2025 | 12:47Caríssimo Verdade, você, provavelmente um analfabeto político, escreve muitas mentiras propaGADAS, pelo gado bolsominico.”
Gildázio Garcia Vitor
15 de novembro, 2025 | 12:40Excelente artigo! Parabéns!
Tenho um livro, "Os Bestializados", de José Murilo de Carvalho, adquirido, com muita dificuldade*, em janeiro de 1987, ano em que parei de encher a cara de cachaça e de fumar, inclusive os Arizona, para poder fazer uma Licenciatura em História na FAFIC, em Caratinga, que é maravilhoso.
* "Quando tenho dinheiro, compro livros, se sobrar algum, compro roupas e comida". Erasmo de Roterdão.”
Verdade
15 de novembro, 2025 | 12:19Ainda continuamos na mordenidade da Escravidão, onde o governo atual ,trabalha para quase todos serem pobres com tanto auxílio.”
Prof. Flávio Barony
15 de novembro, 2025 | 09:10O Poder continua distante dos interesses nacionais até o presente momento, pois uma meia dúzia de castas revezam no Poder do Congresso Nacional há décadas, legislando em causa própria. A falta de informação leva a esta fragilidade da democracia”