28 de novembro, de 2025 | 08:00
Brasilidade: O Brasil que não cabe na taça
Abner Benevenuto Araújo Paixão *
Nos últimos anos, o termo brasilidade” virou palavra da moda na coquetelaria contemporânea. Fala-se em ingredientes locais, em valorização cultural e em autenticidade. Mas, na realidade, poucos encaram o Brasil real. A brasilidade não nasce de um discurso, e sim do chão que se pisa, das mãos que servem e do cliente que consome. No balcão, a distância entre o que se prega e o que se vive infelizmente é grande. A adulteração de bebidas, com o metanol, revela mais do que um problema técnico: mostra um país que ainda não se reconhece no seu próprio copo. Fala-se em pureza e qualidade, mas o olhar segue voltado para janela - para o que é importado, para o que tem status. E enquanto se tenta reproduzir uma brasilidade de vitrine, o Brasil real continua a ser ignorado.
A mestre Waka Morishita, uma das minhas referências, quiçá a mais respeitadas da coquetelaria nacional, costuma lembrar que muitos profissionais subestimam os princípios básicos do ofício. Ela ensina que técnica e essência não se separam - que a complexidade deve nascer da simplicidade bem executada. Em suas palavras e na sua prática, Waka mostra que compreender o básico é um ato de maturidade e que o verdadeiro refinamento está na clareza, não do exagero. Sua visão compartilha um lembrete poderoso: tentar forçar” uma brasilidade é o mesmo que perder o que há de mais genuíno nela - a identidade.
Infelizmente é muito comum ver profissionais torcendo o nariz para marcas nacionais, tratando-as como segunda classe. A falta de humildade para reconhecer que o valor está no conhecimento e na sensibilidade, não no rótulo.
Um bom bartender profissional é aquele que domina o que tem à mão, que transforma o simples em experiência. Muitas vezes, é no boteco improvisado, entre copos desiguais e balcões de madeira gasta, que mora a verdadeira alma da coquetelaria brasileira.
Um bom bartender profissional é aquele que domina o que tem à mão, que transforma o simples em experiência”
Coquetéis como o Rabo de Galo e o Bombeirinho nasceram dessa realidade. São expressões autênticas do improviso, da alegria e da criatividade popular. Não vieram de laboratórios ou marcas, mas do povo do desejo de brindar o cotidiano. Por isso, falam mais com o público do que qualquer drink conceitual.
A brasilidade real não é um conceito de marketing. É uma vivência. Está no gesto de quem serve, no olhar de quem compreende o cliente e na entrega de quem ama o que faz. É o reflexo de um país que, quando se reconhece, cria não só bebidas - mais conexões que esquecemos de olhar, a naturalidade.
* Bartender da região do Vale do Aço, com experiência em bares e eventos.
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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