04 de dezembro, de 2025 | 07:00

A língua não pode ser barreira de comunicação entre o Estado e os cidadãos

Leonardo de Campos Melo *


Rui Barbosa era conhecido pelo uso erudito da língua culta, no falar e no escrever (certamente, um dos maiores conhecedores da língua portuguesa no Brasil). Alguns o acusavam, contudo, de empregar linguagem excessivamente erudita, não acessível pelo cidadão comum. O anedotário popular de sua época, captando a distância entre o falar de Rui e o do povo, criou um encontro imaginário entre ele e um ladrão, que havia pulado o muro de sua casa para roubar alguns de seus patos:

- Rui: “Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada”.

E o ladrão, confuso, replica – "Dotô, eu levo ou deixo os pato?"

A administração pública em geral, e o Poder Judiciário em especial, fazem uso (em tese...) da língua culta, caracterizada pela precisão vocabular, clareza, correção gramatical e respeito às regras ortográficas e sintáticas. Esta, contudo, JAMAIS deve ser confundida com linguagem empolada, que muito mais confunde do que esclarece, como no referido exemplo jocoso.

O Brasil está em falta com o povo também no quesito comunicação. E é por isso que, em muito boa hora, a Lei 15.263, de 14 de novembro de 2025, instituiu a Política Nacional de Linguagem Simples, que obriga a administração pública (no sentido mais amplo, nos Três Poderes), em todos os entes federativos, a se comunicar com a população de forma clara, direta e compreensível. O objetivo da lei é altamente louvável e deve ser celebrado. A sua implementação, todavia, enfrentará naturais desafios.
"A comunicação adotada pelos órgãos de estado é pautada pela língua culta, acessível apenas por uma pequena parcela"


Isso porque o Estado brasileiro foi criado à imagem e semelhança da matriz bacharelesca e formalista portuguesa. A comunicação adotada pelos órgãos de estado, especialmente nos ambientes jurídicos e administrativos, tem sido pautada (em tese…) pela língua culta e por excessivo formalismo, acessível por uma pequena parcela da população.

Quando o povo não é capaz de entender e usar as informações publicadas pelos órgãos e entidades da administração pública, algo elementar se rompe. Ele desconhece seus direitos e obrigações, não participa das discussões públicas relevantes, não fiscaliza, não exerce a cidadania.

A nova lei impõe aos Poderes de cada ente federativo definir diretrizes complementares e formas de operacionalização para o seu cumprimento. Será um enorme desafio romper tradições seculares e velhos hábitos. Ainda assim, a lei estabelece um novo caminho. Os resultados virão, uns mais lentos do que outros – mas virão.

Não é algo trivial. Não é automático. Mas é fundamental, inclusivo e potencialmente revolucionário.

* Advogado especialista em contencioso judicial e administrativo estratégico e em arbitragem, e Sócio-fundador do escritório LDCM Advogados - [email protected].

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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

04 de dezembro, 2025 | 09:27

“O maior problema de boa parte dos Cidadãos brasileiros não está apenas na linguagem culta e/ou erudita, está é na linguagem simples, a informal, do dia a dia, isto porque o analfabetismo funcional, inclusive entre aqueles que detêm um Curso Superior, é avassalador em todos os sentidos.”

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