10 de dezembro, de 2025 | 07:00

A desinformação que ameaça nossas crianças

Miguel dos Santos *


No fim de semana (6/12), conheci em uma cidade próxima a Ipatinga um casal com dois filhos: um menino de 10 anos e uma menina de 7. Percebi rapidamente um contencioso familiar. O pai é contrário às vacinas, enquanto a mãe discorda da postura dele. Ela precisava apresentar o cartão de vacinação da filha mais nova ao médico em uma consulta agendada - motivo central da discussão. Bastaram cinco minutos de conversa para compreender o cenário. O pai está imerso em uma bolha de desinformação, acredita em teorias conspiratórias e em conteúdos que nem vale mencionar aqui, porque o objetivo deste artigo não é alimentar disputas políticas, mas fazer um alerta.

Por coincidência, eu já acompanhava o trabalho da médica infectologista e epidemiologista Luana Araújo, pesquisadora e comunicadora do Instituto Todos pela Saúde (ITpS), organização sem fins lucrativos voltada à conscientização em saúde pública. Em uma publicação recente, ela apresentou dados que ajudam a entender o fenômeno que presenciei.

Segundo a médica, o Brasil concentra 40% de todo o conteúdo antivacina da América Latina. Ou seja, o pai desinformado que encontrei não está sozinho. Mesmo sendo o país mais populoso da região, o percentual é desproporcional. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas, que analisou 80 milhões de mensagens do Telegram em 18 países latino-americanos, revelou que o Brasil lidera a circulação de informações falsas sobre vacinação.
“O Brasil concentra 40% de todo o conteúdo antivacina da América Latina”


O levantamento catalogou 175 danos falsos atribuídos às vacinas e identificou 80 substâncias vendidas como supostos antídotos, todas sem evidência científica. Entre os absurdos disseminados estão alegações de morte súbita, “espicropatia”, câncer, autismo e envenenamento. Só o conteúdo relacionando, falsamente, o transtorno do espectro autista às vacinas cresceu 15 mil por cento entre 2019 e 2024 - apesar de a ciência ter refutado totalmente essa ligação. Trata-se de uma tragédia silenciosa que afeta, sobretudo, os mais vulneráveis.

Os números da cobertura vacinal mostram a dimensão do problema. Sete dos 42 países da América Latina têm cobertura contra sarampo, caxumba e rubéola inferior a 80%, quando o ideal é superar 95%. Nas Américas, 1,7 milhão de crianças não completaram o esquema contra coqueluche, tétano e difteria. Diante desse cenário, não podemos assistir passivamente ao avanço da desinformação. É preciso fortalecer redes de confiança, ética e competência para garantir que as pessoas tenham acesso às informações corretas.

Quando a taxa de vacinação diminui devido à hesitação vacinal ou à recusa, a imunidade das pessoas é comprometida. Áreas com altas taxas de não vacinação são significativamente mais suscetíveis a surtos de doenças que poderiam ser prevenidas, dentre elas sarampo, caxumba, rubéola e coqueluche.
“Áreas com altas taxas de não vacinação são significativamente mais suscetíveis a surtos de doenças que poderiam ser prevenidas”


Há esforços importantes nesse sentido. Em 2021, a Organização Pan-Americana da Saúde lançou uma iniciativa para revitalizar a imunização como bem público. Recentemente, a revista Nature, uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo, criou sua primeira comissão dedicada ao tema - da qual Luana Araújo faz parte. No Brasil, o Instituto Todos pela Saúde também atua no enfrentamento à desinformação, e a médica lançou um site específico para divulgar orientações atualizadas e baseadas em evidências.

Vacinas salvam vidas - e informação correta também. O trabalho pode ser acompanhado nos perfis de Luana Araújo e do ITpS no Instagram (@luanaaraujo
e @todospelasaude). O que não vale, sob nenhuma circunstância, é oferecer engajamento a quem espalha mentiras.

* Economista.
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