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20 de dezembro, de 2025 | 07:00

Quem decide, afinal, no Brasil? Congresso Nacional, Presidente da República, STF ou a Constituição Federal?

Rafael Braga de Moura *


A Constituição Federal de 1988 desenhou o Estado brasileiro a partir de uma premissa simples e civilizatória: o poder não pertence a um único órgão. Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si, todos submetidos à Constituição, que deveria funcionar como o eixo central de estabilidade, previsibilidade e limite ao exercício do poder.

Em tese, portanto, não há dúvida sobre quem decide no Brasil: decide a Constituição Federal. O problema é que, na prática recente, essa resposta tem se tornado cada vez mais nebulosa. A Constituição não foi feita para ser moldada conforme a conveniência política do momento, tampouco para ser reinterpretada ao sabor das disputas institucionais.
Sua função essencial é limitar o poder e definir competências. Quando qualquer Poder passa a agir como se pudesse redesenhar esses limites, deixa de atuar dentro da Constituição e passa a atuar sobre ela. Ao Congresso Nacional cabe legislar e exercer juízos políticos expressamente

previstos no texto constitucional. Não se trata de lacuna ou defeito do sistema, mas de uma escolha consciente do constituinte. Há decisões que não foram entregues ao Judiciário justamente por envolverem opções políticas que devem ser tomadas por representantes eleitos. Quando a Constituição atribui determinada competência ao Congresso, essa atribuição não é simbólica nem condicionada à concordância de outro Poder.

O recente episódio envolvendo a deputada Carla Zambelli evidenciou essa tensão. A Constituição é clara ao estabelecer que determinadas consequências relacionadas ao mandato parlamentar dependem de deliberação do Congresso Nacional. Ainda assim, surgiram movimentos no sentido de limitar ou condicionar essa decisão pelo Supremo Tribunal Federal.
“A Constituição não foi feita para ser moldada conforme a conveniência política do momento”


Independentemente da opinião pessoal sobre o caso concreto, a questão relevante é institucional: pode o Judiciário restringir uma competência política que a própria Constituição reservou ao Legislativo?

O Supremo Tribunal Federal exerce papel fundamental como guardião da Constituição. Contudo, ser guardião não significa substituir o constituinte nem reescrever o equilíbrio entre os Poderes. Nos últimos anos, tornou-se recorrente a judicialização da política e, em alguns casos, a politização da jurisdição.

O STF passou a intervir em matérias que extrapolam o controle de constitucionalidade e ingressam diretamente no campo das escolhas políticas, alterando, na prática, o sentido original do texto constitucional.

O Poder Executivo também contribui para esse cenário ao buscar ampliar suas competências por meio de decretos, medidas provisórias e interpretações extensivas de seus poderes. O controle institucional é legítimo quando há excesso. O problema surge quando o Executivo governa amparado em decisões judiciais, o Congresso legisla sob tutela constante do Judiciário e o Supremo passa a ser o árbitro final de conflitos que deveriam ser resolvidos no campo político. O resultado é um paradoxo institucional: todos afirmam agir em nome da Constituição, mas poucos aceitam ser efetivamente limitados por ela.

O Congresso reclama do ativismo judicial, mas frequentemente transfere decisões difíceis ao Supremo. O Executivo critica interferências, mas recorre ao Judiciário quando perde politicamente. O Supremo afirma proteger a Constituição, mas, em determinadas situações, acaba por substituir escolhas claras do texto constitucional por interpretações expansivas.

Nesse contexto, a Constituição perde sua força normativa e passa a ser tratada como argumento retórico, e não como norma suprema. O cidadão deixa de saber quem decide, com base em que fundamento e até onde vai o poder de cada instituição. Há um ditado popular que diz que “cachorro que tem dois donos morre de fome”.
No Brasil, a sensação é semelhante. Todos os Poderes dizem ser donos da Constituição, todos afirmam cuidar dela, mas poucos a respeitam integralmente. Enquanto cada Poder agir como se fosse o verdadeiro intérprete final da Constituição - e não como seu subordinado - o texto constitucional continuará existindo no papel, mas enfraquecido na prática.

Resgatar a centralidade da Constituição não é uma pauta ideológica, nem uma disputa por protagonismo. É uma necessidade institucional. Sem isso, seguiremos vivendo em um país onde todos dizem cuidar da Constituição, mas nenhum aceita, de fato, obedecê-la por inteiro.

* Advogado, mestre em direito, sócio da MSL Advocacia, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT).

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